Eu nem
acredito que, a partir do dia 1º de janeiro, meu bebê de três meses vai
completar 2 anos na Coreia do Sul. Mas seria ainda pior se ele tivesse vindo ao
mundo no dia 31 de dezembro. É difícil para um brasileiro pensar que uma criança
recém-nascida já teria, com um dia de vida, 2 anos. E isso graças ao sistema de idades
utilizado em alguns países do Leste Asiático. Embora tenha surgido na China, hoje
em dia, muitos chineses nem sabem como funcionava isso no país deles. Pelo
menos, mais de 90% dos meus amigos chineses ficavam muito confusos com a idade dos
coreanos.
Foto: http://www.emagasia.com/ |
Na Coreia, eles
acreditam que, quando se nasce, você já tem um ano. E existe uma data de
aniversário universal, que, atualmente, é em 1º de janeiro, ou seja, no dia do Ano
Novo do calendário gregoriano (o mesmo que se usa no Brasil). Isso significa
que, se alguém nasce dia 31 de dezembro, já tem 2 anos logo no dia seguinte.
Antigamente, essa comemoração de mudança de idade era feita no primeiro dia do
lichun (em coreano, 입춘), o primeiro
período solar dos 24 existentes em um ano, que geralmente cai no dia 4 ou 5 de fevereiro. Dessa forma, não se acrescenta um ano de vida na data do
nascimento da pessoa, mas no Ano Novo.
E, de forma simbólica, eles incluem como refeição de Réveillon o
tteok-kuk (떡국), ou sopa
de bolo de arroz. Assim, na ceia de todo dia 1º de janeiro, eles incorporaram esse
costume, assim como no Ano Novo do calendário lunar, que é uma das maiores festas dos país, em que eles reúnem toda a família para celebrar juntos. Pela tradição coreana,
você “comeria” mais um ano, simbolizando, assim, o ato de envelhecer.
Inclusive, eles usam como expressão idiomática para alguém mais velho ou idoso
que aquela pessoa “comeu muitos anos”. Eu tinha uma professora de coreano na
Chungnam National University (CNU) que brincava que tinha apenas 18 anos, já
que ela tinha abolido essa sopa do envelhecimento desde que era mais jovem.
"Sopa do envelhecimento", que eu comi na virada de 2013/2014 |
Há uns cinco anos, a KBS, emissora pública de TV coreana, fez um
programa especial de ano novo sobre o perigo de se pedir uma das modalidades
dessa sopa no Brasil. Se você incluir pasteizinhos que a gente conhece às vezes
como gyoza, mas que os coreanos chamam de mandu (만두), ela vira tteok-mandu-kuk (떡만두국). Mas, se você falar rápido esse nome, soa exatamente como um palavrão em português. E o vídeo abaixo mostra uma matéria em que a repórter questiona brasileiros – em Brasília, segundo eles, mas na verdade, era na Av. Paulista –, se eles já haviam experimentado essa iguaria. E o resultado é hilário.
No Japão, Vietnã e Coreia do Sul, o lichun (입춘) também é usado por videntes ou religiosos tradicionais como data para indicar o envelhecimento. No entanto, a ideia de um
aniversário universal desapareceu de quase todos os países da esfera cultural
do Leste Asiático, China e Japão, sendo trocado pelo sistema ocidental. Só a
Coreia do Sul e algumas partes do Vietnã têm mantido essa tradição. Muitos coreanos,
inclusive, não têm noção de que essa regra não é a mesma no restante do mundo. Por
isso, quando for perguntar a idade de um coreano, é preciso tomar cuidado e
verificar se ele sabe como funciona em outros países.
Além disso, a maioridade
coreana é aos 20 anos. É a partir daí que eles podem ser presos, ingerir bebida
alcoólica e tirar a carteira de motorista. Isso quer dizer que, na idade
ocidental ou brasileira, algumas pessoas seriam emancipadas aos 18, enquanto
outras somente com 19, dependendo da data de nascimento do indivíduo. Nesse
sentido, quem nasceu no dia 31 de dezembro é mais sortudo, já que se torna
adulto antes de quem veio ao mundo em janeiro. Mas, para quem tem problemas com
o envelhecimento, fazer aniversário nos primeiros dias do ano é uma dádiva e um
alívio.
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Enfim, eu sempre fiquei me perguntando o porquê de os coreanos
quererem ser mais velhos que as pessoas dos outros países. Até a China e o
Japão já desistiram desse sistema, mas a Coreia do Sul tem mantido firmemente
essa tradição etária. Eu acho bem interessante as diferenças culturais e ver que,
mesmo com a globalização, alguns países conseguem seguir com seus costumes,
mesmo que pareçam meio loucos ou bem diferentes para pessoas de outros lugares
do mundo. Mas, na convivência com estrangeiros, a gente acaba se acostumando a
essas diferenças e entendendo certas coisas. Adoro ter uma família
multicultural.