No meu primeiro semestre na universidade de Chungnam, fizemos um passeio para a Expo Internacional de Medicina Tradicional de Sancheong (foto), um evento grandioso que serve para apresentar detalhes de uma modalidade clínica coreana milenar, que tem um olhar diferenciado sobre as doenças, pensadas a partir do equilíbrio entre o corpo e a mente. Desde então, passei a conhecer um pouco sobre alguns tratamentos de saúde no país, marcados por acupuntura, ervas medicinais, além do fato de os médicos terem uma sensibilidade incrível de, apenas pelo toque no pulso do paciente, conseguir detectar anomalias em seu corpo. Outros ainda, por um aparelho que mostra detalhes da retina, podem até saber características psicológicas da pessoa. Nem preciso dizer que fiquei bastante impressionada.
Na Expo de Medicina Tradicional, um pouco dessa prática milenar |
Dentre as diversas experiências que tive com a medicina tradicional coreana, no entanto, o ápice foi no final de 2013, um pouco antes de eu me casar. A família do meu marido nos levou para um vilarejo quase 3h distante de Daejeon para um check-up anual com um médico ancião (de 95 anos), que era um dos mais famosos do país. O consultório dele ficava no meio do nada e me lembrou muito aqueles mestres de artes marciais de filmes orientais, isolados em uma montanha meditando ou algo do gênero. Esse senhor, que mal escutava direito, ao avaliar meu pulso, já ficou com uma cara de preocupado e disse que eu tinha um monte de problema de saúde: de circulação, coração, etc. Quando me questionou sobre minha menstruação e eu o informei que ela era irregular, ele constatou que essa era a causa de tudo.
O
médico, então, me passou um tratamento com ervas medicinais, com custo de mais
ou menos 400 reais, para reparar essa anormalidade. Enquanto isso, meus sogros gastaram mais de 1,5
mil reais, cada, com outros remédios indicados por ele para se manterem
saudáveis. A questão foi que, pouco mais de um mês depois, eu descobri que
estava grávida. Minha sogra chegou à conclusão de que esse senhor é bom para
tratamentos de fertilidade e o indicou para minha cunhada, que já estava
tentando ter filhos há mais de dois anos, sem sucesso, e tinha sofrido um
aborto pouco tempo antes. Coincidência ou não, no mês seguinte, ela também
descobriu que estava esperando uma linda menininha, que nasceu no início desse
ano.
Ervas medicinais no consultório de ancião no interior da Coreia |
Coreanos
se orgulham muito de sua medicina tradicional e costumam confiar bastante nela.
Por isso, há diversos centros que praticam esse modelo espalhados pelo país, conhecidos
como 한의원 (lê-se haneu-won). A família do meu marido costuma ir,
pelo menos, uma vez ao mês, até para relaxar e tentar curar certas dores
causadas por estresse e outros problemas do dia a dia. Eu frequentei esses
lugares algumas vezes e tive uma ótima experiência. E acaba não saindo tão
caro, porque os planos de saúde cobrem parte dos custos. Mas, mesmo tentando
manter as origens, desde 1876, o sistema de saúde europeu, com hospitais em
estilo semelhante ao do Brasil, vem sendo utilizado na Coreia, conforme já dito
em outro post.
Teoria médica coreana
Baseada em uma mistura de ideias taoístas e confucionistas,
a teoria médica coreana é focada em quatro componentes básicos do universo:
natureza, humanidade, temperamento e vida. E também são quatros os fatores que
compõem o ser humano: uma pessoa mais yang, mais yin (aqueles tristes ou com
raiva), menos yang e menos yin (aqueles com características mais felizes), de
acordo com o temperamento e personalidade de cada um. Além disso, também é
aplicado o método curativo, que se baseia na noção de que o equilíbrio do corpo
está ligado à mente. Por isso, ervas medicinais e acupuntura são algumas
práticas geralmente utilizadas para tratamento a partir dessa concepção.
A prática da medicina tradicional coreana antigamente |
Existem alguns tipos diferentes de centros de medicina
tradicional. Atualmente, a maioria deles é composta por médicos que iniciam a
análise do paciente pela medição do pulso. Alguns anciãos são famosos pela
sensibilidade em, apenas pelo toque, perceber onde há um desequilíbrio que
possa vir a dar origem a uma doença ou, no caso de quem já está enfermo, de
encontrar as causas disso. Alguns locais mais modernos usam um aparelho que
avalia, pela retina do paciente (foto), quais são os problemas da pessoa, não somente
físicos, mas também psicológicos. Por meio da coloração, forma e de riscos
encontrados dentro do olho, é possível saber características como se aquele
indivíduo é nervoso ou calmo e até detectar doenças mais graves, como câncer.
Mapa da retina em um hospital de Daejeon |
Qual a diferença entre a medicina coreana e a chinesa?
Existem
três fatores principais que diferenciam a medicina tradicional coreana da
chinesa. O primeiro deles é a forma como cada um observa as pessoas: os
chineses, de fora para dentro, enquanto que os coreanos pensam nos fatores
internos como mais importantes que os externos. A segunda diferença está nos 보약 (boyak), remédios que os
coreanos tomam quando estão fracos e pálidos, sendo o ginseng o mais famoso
deles. A junção da mente e do corpo para considerar um tratamento ideal é o
terceiro e último fator de divergência entre os coreanos e chineses. Heo Joon, um dos pais da medicina coreana,
acreditava que o ser humano não pode viver sem a natureza e que tudo o que
existe no mundo nos afeta de alguma forma.
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