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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Saúde de qualidade - SUS coreano

Uma das coisas que os coreanos mais têm orgulho é da estrutura médica à disposição deles. E, realmente, eles têm bastantes motivos para isso. Poucos países no mundo têm um sistema único de saúde como o da Coreia. Não é gratuito nem tão democrático quanto o brasileiro, mas funciona perfeitamente bem. Desde janeiro, quando casei com o Jerry, tenho direito a utilizar esse “SUS” ou NHI (National Health Insurance), como eles chamam. E fiquei apaixonada principalmente pelo fato de que o usuário pode visitar praticamente qualquer hospital ou instituição de saúde do país (públicos ou privados), inclusive as de medicina tradicional coreana (haneui-won ou 한의원, foto), acupuntura e quiropraxia e o governo cobre até 70% dos custos.


O único problema é que não é de graça. Além de você ter que pagar 30% do valor gasto, ainda é descontado um percentual do salário do chefe da família todo mês, de acordo com determinada faixa salarial. Eu entrei como dependente do pai do meu marido, já que o imposto é cobrado por residência e estávamos todos morando na mesma casa. A melhor parte é que cada usuário tem direito a um check-up gratuito completo, inclusive no melhor hospital coreano (foto), se a pessoa quiser, a cada dois anos. Qualquer estrangeiro pode se inscrever, principalmente os que trabalham ou estudam no país, mas quem não tem esposa ou marido nativo paga mais impostos que os coreanos.  Além disso, se alguém tiver filho no país, mas enfrentar dificuldade para arcar com a taxa, o governo oferece um subsídio.

Hospital da Seoul National University (SNU), o melhor da Coreia

                Eu já tinha um seguro de vida exigido para os estudantes da universidade que eu frequentava. Mas, até janeiro, eu tinha que pagar valor integral sempre que acompanhava meu marido em algum desses centros de medicina tradicional – sobre o qual vou falar com certeza no próximo post. E foi muito fácil me inscrever no SUS deles. Só precisei enviar por e-mail uma cópia do meu cartão de estrangeiro (ou Alien Registration Card), da certidão de casamento e do registro familiar dos pais dele com meu nome incluso. Na mesma semana, eles enviaram para a minha casa o meu “cartão do SUS”. Interessante que, como meu nome é muito grande para eles, foi reduzido apenas para Rodrigues (sobrenome por parte de mãe) e eu sempre esqueço que sou eu quando sou chamada no médico.   

Para quem está grávida, os benefícios são maiores. A taxa de natalidade está caindo a cada ano na Coreia, por causa da maior independência feminina e das mudanças no planejamento familiar. Isso significa que a quantidade de filhos por família é menor que antigamente. Por isso, o governo incentiva bastante a fecundidade, oferecendo um cartão no valor de 500 mil won ( mil reais), que pode ser usado durante todo o período do pré-natal e financia integralmente as consultas, exames, remédios, inclusive ultrassonografia em 3D. Em relação ao parto, a cobertura é de até 500 mil won ( mil reais), apenas se for normal. Em caso de cesárea, a pessoa tem que arcar com todos os custos, que podem chegar a 5 milhões de won ( 10 mil reais).      

Caderneta do controle da gravidez no pré-natal, com o cartão dado pelo governo

Um pouco de história

O governo coreano implantou esse National Health Insurance (NHI) ou Sistema Único de Saúde (SUS) em 1977, baseado no modelo japonês. Nesse intervalo de tempo, mesmo passando por problemas financeiros, o país conseguiu manter a qualidade da prestação do serviço e ainda ampliou seu alcance, No início, apenas instituições com mais de 500 empregados tinham direito ao subsídio do governo. Mas, até a década de 1990, todos os coreanos passaram a poder se beneficiar com essa ajuda. Durante a crise mundial em 1997, uma intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) causou um grande déficit, que foi sendo revertido nos anos seguintes. Hoje, a Coreia conseguiu alcançar determinada estabilidade para manter a qualidade dos serviços médicos oferecidos.

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É assim que funciona esse sistema, que permite ao usuário fazer uso de toda a rede de saúde do país, tanto pública quanto privada, mas não é gratuito como o brasileiro, embora seja acessível a todos. Só sai totalmente de graça na Coreia se a pessoa comprovar insuficiência de renda, o que, de certa forma, faz com que seja democrático. Os brasileiros nunca precisam pagar, mas também nem sempre conseguem atendimento de qualidade. É difícil comparar as duas realidades, por serem bem diferentes, até na questão populacional ou na extensão territorial, mas o Brasil tem muito a aprender com a Coreia em relação à excelência dos serviços, algo que eles prezam muito e que não se importam se é preciso arcar com alguns custos disso.

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Choque cultural (2) – Comida e etiqueta coreana

Comida é geralmente uma das maiores preocupações quando alguém visita um lugar novo. Já tinha mencionado isso quando falei das churrascarias brasileiras na Coreia, mas hoje o assunto é a gastronomia coreana, conhecida por ser apimentada, pouco gordurosa (às vezes) e ter muitas sopas, com legumes e verduras. Nos meus primeiros dias no país, foi bem difícil me acostumar com o kimchi (김치) (foto), que é acelga fermentada, base da culinária deles. Também demorei a me adequar a algumas regras de etiqueta na mesa, como comer arroz sempre com colher, cortar carne com tesoura, ou colocar o arroz do lado esquerdo da sopa. Realmente, para o paladar do brasileiro, alguns pratos coreanos não parecem, à primeira vista, muito apetitosos, mas, em pouco tempo, eu já estava apaixonada pela maior parte das comidas locais.  

Kimchi (acelga fermentada), principal acompanhamento da culinária coreana

E meu primeiro encontro com comida coreana não foi, na verdade, nem na Coreia nem no Brasil. Eu experimentei quando fui a Madri, na Espanha, em 2011. E, o que mais me chamou a atenção foi quando o Jerry pediu um prato e a carne veio crua. Fiquei apavorada pensando em como eu comeria aquilo, quando, de repente, o garçom abriu um buraco na mesa e a gente começou a cozinhá-la. Depois descobri que essa é uma característica das “churrascarias” coreanas. Quase todos os restaurantes são do estilo “faça você mesmo”. Eles gostam de fiscalizar a qualidade e de dar o ponto que quiserem. E, como carne bovina é um artigo de luxo na Coreia, geralmente, a preferência é pela carne de porco, sendo o corte mais popular no país a barriga suína ou samgyeopsal (삼겹살).

Em um restaurante coreano em Madri, me assustei quando veio a carne crua

Cozinhando barriga suína numa churrascaria em estilo coreano

E é nesse tipo de restaurante onde você tem que cortar a carne com a tesoura, o que foi outro choque cultural para mim. Em relação aos instrumentos na mesa, os coreanos têm várias regrinhas. Na maioria das casas, só se usam hashis, colheres e tesouras. Nada de garfo e faca, embora esses dois já estejam mais presentes nos restaurantes “modernos” e “ocidentalizados”. Não se come arroz com palitinhos, por exemplo, só com colher. Além disso, minha sogra ficava toda hora interrompendo minha refeição quando eu colocava o potinho de arroz do lado direito da sopa. Eles dizem que a forma certa de ser servida é do lado esquerdo, o que, para mim, até hoje, dá no mesmo, mas, para não criar atrito, tento seguir as normas da casa.

Mesa posta em uma casa coreana, com o arroz sempre do lado esquerdo da sopa

 Em relação aos pratos, a comida meio que se repete toda semana. E não é só na casa dos meus sogros. Conversando com minha professora de coreano, ela explicou que é meio que uma regra nacional. Eles vão intercalando as sopas, que sempre acompanham arroz, kimchi e outros complementos que variam de família para família. No topo da lista de sopas mais populares entre os coreanos, está o miyeokguk (미역국) (foto), que é feito de algas e também é o prato que deve ser comido nas datas de aniversário. Esse é um must-have da culinária coreana.  Em segundo lugar, está o kimchi jjigae (김치찌개) (foto), sopa elaborada com kimchi. A minha sogra coloca junto carne de porco e tofu, o que fica uma delícia. Outros pratos entram nesta lista como o doenjang jjigae (된장 찌개) (foto), tipo de guisado que leva pasta de soja fermentada e tofu; além do curry coreano (foto).

O miyeokguk, sopa de algas que os coreanos comem no aniversário

O kimchi jjigae, sopa de kimchi (acelga fermentada)

O doenjang jjigae, sopa de tofu com pasta de soja fermentada

Um delicioso curry coreano

Já me deu água na boca só de falar. A lista é longa, mas esses são apenas alguns exemplos. Na casa do meu marido, além dos acima citados, toda semana precisa ter ainda sopa de inhame e a de agrião, especialidades da minha sogra, que trabalhou durante 25 anos como cozinheira do refeitório da KAIST, maior universidade tecnológica coreana. Aliás, além de arroz e kimchi, um dos acompanhamentos favoritos dos coreanos é a batata-doce. Eles adoram comê-la com casca e tudo. Existe, inclusive, torta de batata-doce, uma das sobremesas mais apreciadas por esse povo. Um prato que geralmente é o favorito dos estrangeiros na Coreia é o bulgogi (불고기) (foto), uma carne mais adocicada, mas que, por levar carne bovina, nem sempre está ao alcance de toda família coreana e acaba sendo uma opção para datas especiais. 

Bulgogi, carne adocicada, considerada prato favorito dos estrangeiros

Outro choque cultural é quando se resolve ir a um restaurante tradicional coreano. Tirar o sapato para entrar em determinados locais, como hospitais, é algo normal no país. E, nesses estabelecimentos, acontece da mesma forma. Então, você já tem que se preparar psicologicamente antes, colocando uma meia bonitinha. Além disso, geralmente, se senta em almofadas no chão, o que, para mim, é extremamente desconfortável. Na Coreia, um ponto positivo dos restaurantes é que os acompanhamentos são sempre refil, ou seja, pode pedir mais kimchi e legumes à vontade e não será paga nenhuma taxa extra por isso. Além disso, por uma regra social, não se pode negar água a ninguém, o que significa que ela vai ser sempre gratuita.

 
Restaurante tradicional coreano, com mesas baixas, tesoura para cortar carne, água e acompanhamentos de graça
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Esse é um dos choques culturais mais gostosos para o estrangeiro. A gente paga bastante mico quando não conhece direito algumas regras do país, mas depois acaba se adaptando. Só que alguns erros podem ser sérios do ponto de vista deles. Servir bebida alcoólica para mais velhos, então, requer bastante perícia e informação, que eu não tinha na época. Fui repreendida pela minha sogra por não segurar a garrafa de soju com as duas mãos, o que posso contar com mais detalhes depois. Isso significa que fui extremamente rude e não respeitei as hierarquias, uma falta grave na Coreia. Algumas regras de etiqueta coreanas são bem complexas e eu cometi muitas gafes e atritos com meus sogros por causa de pequenos detalhes que fazem toda a diferença para eles.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Choque cultural – Sapatos na Coreia

No último post, quando eu contei como conheci meu marido, comentei sobre algumas coisas curiosas no nosso relacionamento por causa do choque cultural. Na verdade, no nosso primeiro encontro, em Madri, já cometi uma gafe. Estava toda empolgada planejando o presente que daria para ele, comprei umas caixinhas lindas em formato de coração, escrevi várias mensagens fofas, separei bichinhos de pelúcia. Além disso, como a Havaianas é uma marca brasileira famosa, imaginei que seria um tipo de lembrança perfeita. Quando entreguei para ele, percebi que ficou meio sem graça e disse que tinha gostado, mas que teria que dar para um amigo. Na hora, me espantei com a reação, mas depois entendi o motivo: na Coreia, acredita-se que presentear namorado/a com sapatos dá azar (um pouco parecido com a ideia no Brasil de dar perfume, mas os coreanos levam essa superstição bem a sério). Eles dizem que, se você der, seu amor pode fugir de você para sempre.

Em Madri, Jerry recusou minhas Havaianas de presente, mas o erro foi meu

Isso foi em 2011. Mas, ano passado, quando fui morar na Coreia, o Jerry insistiu que eu precisava de um tênis novo para o inverno porque, de acordo com ele, o que eu tinha levado ia me fazer congelar. Então, ele me levou para 중앙로 (Jungang-no), que é a rua de Daejeon onde estão quase todas as sedes das grandes marcas de lojas de sapato (Adidas, Nike, Reebok, Puma, entre outras). Eu esqueci de novo da superstição coreana e achei que ele iria me dar de presente, mas, assim que chegamos lá, ele veio me dizer que precisávamos passar no banco para eu tirar dinheiro e pagar pelo par. E eu nem queria comprar nada, mas entendi e aceitei. Aí, surgiu outro problema: eu descobri que não seria tão fácil achar algo que coubesse em mim. No Brasil, eu calço 38 (entre o tamanho 255 e 260 coreano), mas, na Coreia, sapato feminino não passa do nosso 36 (ou 240).

                Entramos em todas as lojas, vasculhamos cada canto, mas os modelos mais bonitos e/ou baratos não tinham no meu número. Um atendente disse, entre risos, que era melhor eu procurar na seção masculina. Ou seja, fui chamada indiretamente de pé grande. A reação de todos quando eu dizia meu tamanho era a mesma: ficavam espantados, como se perguntassem “Isso tudo?”. Depois de horas de busca, desistimos naquele dia e resolvemos voltar depois, porque, na Adidas, disseram que chegaria um novo modelo que talvez coubesse em mim. Fizemos isso e, no outro dia, percebi que eles só tinham o 250 (ou o nosso 37). Como eu não queria ser obrigada a comprar tênis em loja especial, aceitei esse mesmo, embora tivesse ficado um pouquinho apertado.

Os tênis adquiridos na Adidas, um número menor que meu pé

                Outro dilema com sapatos foi para meu casamento. Na sessão de fotos, como a escolha das roupas foi feita no mesmo dia do ensaio, eles me perguntaram apenas 50 minutos antes quanto eu calçava. Quando respondi, percebi que ficaram atônitos. Começaram uma busca incessante, porque parece que eles só tinham um sapato daquele tamanho e, como ninguém usava, não sabiam onde estava. O pior foi no dia da cerimônia. Eles realmente não tinham meu número e disseram que o maior modelo disponível era um 240 (nosso 36) e que eu teria que usar aquele mesmo ou comprar outro com urgência. E não sei se eu já disse antes, mas, como meu marido estava trabalhando na Nigéria, fizemos a festa durante as férias dele. Então, tivemos menos de uma semana para preparar quase tudo e, inclusive, para escolher meu vestido de noiva. Resultado: casei com um sapato bem menor que o meu pé.

Sessão de fotos com o único sapato que era exatamente do meu número

                Bom, já deu para perceber que a relação Coreia-eu-sapato é muito turbulenta. E, quando se trata de roupa, o negócio fica muito pior, mas vou deixar para falar disso outro dia. Minha sogra, coitada, sofreu para comprar presentes para mim. Sempre tinha que devolver tudo. É triste admitir, mas, no inverno, eu fui obrigada a vestir apenas calças masculinas (como as da foto). E, em relação aos sapatos, teve ainda um dia em que a gente foi fazer trilha e escalada e eu usei o tênis de montanha da mãe do Jerry. Ela calça dois números a menos que eu. Nem preciso dizer que acabei com o meu pé todo. Enfim, a Coreia me fez perceber o quanto eu sou gorda e tenho pezão. Só tenho a agradecer a esse povo que ajuda a conservar minha (baixa) autoestima.    

Eu vestida no estilo "ajhuma", com tênis de montanha pequenos para mim